Confira 5 poemas escolhidos do poeta moçambicano Jotta Gaso


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O FEITIÇO ...
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Com o passar do vento 
Comigo nas ondas de casa
Inibido a ter o encontro
Nas veias do meu outro eu
Naquela infância lapidada com sonhos 
Sonhos... sonhei distante 
Com preços altos 
Sonhei a mesa cheia 
A fome longe do estômago 
Acordei com o roncar da barriga  
Nas mãos a criança esfarrapada 
Nas ruas empoeiradas
Os pés descalços
Como um cão sem dono 
Doi-me não só a pobreza 
Doi-me ainda mais ser órfão 
A raça no fio...
Os fins do patrão
Doi-me tanto ser a melanina sem cor nos sonhos
O diploma tirado com a guerra
Riqueza feitiço da terra 
Foram espetada as rezas
Comemos os mal cozidos 
A madrugadas é a cozinha 
Acordamos com venenos nos pratos 
Aos poucos morremos muitos 
Virei o oculto 
Eles os vistos
Com o tempo ficamos poucos 
Os tratados manipulados
O meu rosto esquecido 
Perdido no tempo dos olhos pálidos.
                                  
Jotta Gaso✍️"Direitos autorais reservados"
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O ROSTO DO FUTURO ...
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A velhice do tempo
Na terra nasceu analfabetos com letras e com assinaturas
Não se importaram com a geração 
Ali estava a educação 
Sem escola
Bem ali estava deitada 
Morta de fome... com os olhos cheio de lágrimas 
A mudança estava ali
Bem distante da criança 
Ali estava junto com o A,B,C
Pedindo esmola
Querendo estar na escola
Nem que seja aquelas servidas com promessas de mudá-las
Aquelas sem carteiras e nem teto 
Sem paredes para sustentar o rosto
Aquelas que quando caia chuva a aula terminava 
Aquela que a chamei de precária 
A vela sem o barco 
A caneta sem o escritor
O arco-íris sem sua cor
perfumaram com medo o ar 
Os mistérios do mar 
Prenderam a direção da noite negra
O pescador e os sonhos 
Deram a provar a lei da rolha
As asas em enxtição
O ar em escassez  
As horas embriagadas 
As pétalas queimadas  
Nas mãos as flores murchadas  
Raízes enrugadas 
Sem boca para ouvir o Karingana
Os mitos aplaudidos no imbondeiro
Pérola do índico
Na altura... naquela altura onde as histórias não morriam.
                               
Jotta Gaso✍️"Direitos autorais reservados"
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VOCÊS E NÓS, VOSSOS E OS NOSSOS ...
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Para e pensa
Pensa... pensa, pare e veja o que nos fazes
Os vossos nascem em berço de ouro 
Os nossos nascem na lata de lixo e vivem nos esgotos
Dormindo com os ratos 
Pessoas feitas de lixo  
Vós que cuspem-nos 
Por vossa causa somos os nausabundos    
No útero atrofiado 
Trabalhamos duro
E no final ficamos nós os esfarrapados 
E vós os engomados, os bem apresentados 
Os tronos pertecendo a criminosos 
Bixo preguiça 
Estendido na vaidade 
Nos sonhos altos 
Com o bolso barato 
Filho do demônio 
Extorquindo o povo 
Com copos dourados  
Flores morrendo desnutridas 
Sem comida e nem cadernos  
Vós que brindam e festejam pelos massacres 
Nós que ficamos sem sonhos de regressar a vida
Filhos da ignorância   
Amantes do diamante de sangue 
Olhos astutos   
Vendeu a própria cor
Noite escrava marcada com ódio e dor
Aceitou o envelope 
Deu vida aos dias de tiros e lutos 
Vergonhosos são os seus atos
Os sistemas corrompidos
Filhos da ambição  
Calaram o futuro risonho 
Órfão sem lugar no amanhã  
Deram argumentos sem pé e nem cabeça 
Os nossos ficando sem educação 
Os vossos graduando nos estrangeiros 
Ocultaram a verdade 
O coração tornou-se frio
Por dispertar a madrugada a arte foi condenada a viver no silêncio. 
                                 
Jotta Gaso✍️"Direitos autorais reservados"
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MUNDO ÁFRICA ...
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O punho e o cajado 
A capulana e o chão descalço 
O sol e as águas frescas 
O sonhador e o pescador 
Todos com a ilusão do pó

Naquele monte 
Lancei-me no olhar distante 
Pertenço a terra das muitas etnias
De sonhos requintados 

Saíram do ventre rezas 
Os horizontes adentrando nos olhos pretos 
Donos da natureza e das muitas riquezas

Vendo o futuro 
Aguardando pelo passado 
O presente atrasado
Os espíritos dos nossos antepassado vivendo a sua culpa
Do amanhã só Deus sabe  

Nos ritmos e danças lembramos os que já se foram
Os antepassados protegendo os filhos 

No calar da noite 
Não são só historias que são agasalhadas pela fogueira
São dias que a raça viveu no mundo África 

Não é só tradição 
É o nosso rosto 
É o que fala mesmo calado 
A liberdade pintada em nossa pele
Nas grandes asas da cultura
Viver igual ao vento

Aqui é a minha casa 
Aqui é onde nasci 
Aqui é onde cresci 
Aqui é onde morri quando acreditei que os mortos cuidam dos vivos.
                                      
Jotta Gaso✍️"Direitos autorais reservados"
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FERRO EM BRASA ...
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Era eu o dono da terra cheio de riquezas 
Eu era o servo do patrão Europeu 
Era eu de  Changalane 

Levava os gados as suas refeições diárias 
Nem água tinha para calar a sede que inquietava-me 

Com fome de ontem 
Sem sombra dos meus pés 
Sem descanso nos meus passos
Sem corpo para aguentar o sol ardente

Era carvão queimando 
Era patrão exportando
Era eu comendo gafanhotos e ratos que apanhava no campo

Era eu sem pai e nem mãe 
Se patrão levou para as águas 
Naqueles barcos atracados cheios de negros 
Dentro da incerteza do amanhã 

A represália do ferro em brasa 
A minha testa foi marcada como um gado pelo patrão 
Por causa daquele bezerro que se perdeu pela mata

O cansaço tinha tomado conta dos muitos dias sem dormir 
Os olhos já não ouviam mais
Nem os ouvidos viam mais
Nem mesmo eu já não estava mais vivo

-Era eu cadavel enquanto vivo

Feriu a minha pele preta
Com selo de ódio 
Aos vermes ofereceram-me 
Virei propriedade do patrão
A liberdade tirada em minhas mãos.
                                  
Jotta Gaso✍️"Direitos autorais reservados" 

"Ferro em Brasa". Chagalane, Moçambique, 1973. 
"No dia 25 de junho de 2022, Moçambique completou 
47 anos como uma nação "independente".

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