Crônica: TEMPOS SOMBRIOS

Fonte/Imagem: Jornal A Bigorna
@OficialCarlosAlbertoCavalcanti

Paira no ar um silêncio sepulcral. Não há como escrever uma crônica nos dias atuais de confinamento e apreensão. As ideias se diluem em meio ao clima de desconfiança que cerceia a capacidade de criar algum texto de entretenimento ou leve digressão sobre a vida ou algum acontecimento cotidiano.
A folha, enroscada na velha máquina, continua em branco como se adivinhasse que, cá nos meus pensamentos, também deu um branco.

Ouço Beethoven dedilhando Sonata ao Luar no vinil que gira cadenciadamente na vitrola. Talvez um conforto para a alma acuada dentro desse corpo alquebrado pelo tempo intransigente que cobra cada minuto da nossa existência com a ferocidade de uma ave de rapina.

O que fazer, então, se o toque de recolher esvazia as ruas do seu movimento habitual, quando as pessoas correm e gritam e esbarram noutras nesse trajeto diuturno pela sobrevivência.

Agora, até parece que os cemitérios estão mais barulhentos do que as avenidas e praças. A humanidade virou refém do vírus. Sua ausência física se materializa nos corpos que ele habita e rói sem pedir licença. Subtrai a porção mais divina da existência: o ar soprado com que o resto funciona.

Sem o “fôlego da vida”, nada mais presta para coisa alguma. Pouco adianta o corpo escultural e as joias nele exibidas ou mesmo, como ocorre a tantos, os ossos exibidos.

O mundo foi nivelado por uma ordem de uma criatura imaterial que se multiplica e se abriga dentro das vidas em qualquer lugar do planeta. Com certeza, uma nova ordem mundial há de surgir após essa tragédia. A miséria econômica vai ampliar as dores e desfazer as torres erguidas para indicar locais prósperos e turísticos.

Talvez nem haja como ver alturas, pois as criaturas sobreviventes estarão encurvadas sob o peso de suas dores e desalentos. As sobras do que restar desse vendaval serão o novo mundo quando o novo corona envelhecer. E aí, talvez se consiga escrever uma crônica mais alentadora e alguém ainda disponha de forças para ler.

*2º lugar no I CONCURSO LÍTERO-POÉTICO do Café Filosófico Pão de Açúcar - AL (2020), na Categoria: CRÔNICA

**Carlos Alberto de Assis Cavalcanti, natural da cidade da Pedra - PE, nasceu em 28 de fevereiro de 1955, é casado com a sra. Jaci Ferreira Lira Cavalcanti; Professor do Centro de Ensino Superior de Arcoverde - PE, área de Letras. Mestrado pela UFPE. Autor de: Itinerário Poético - poesias - Menção Honrosa no Concurso Nacional de Poesias da Academia Pernambucana de Letras [2001]; Em 2012 recebeu o Título de Cidadão Arcoverdense. É detentor de vários prêmios nacionais nas modalidades: poesia moderna, sonetos e trovas. Tem poemas incluídos em diversas antologias nacionais, por conta de premiações em Concursos Literários. Associado à UBE (União Brasileira de Escritores); Membro Correspondente de Academias em Cachoeiro do Itapemirim – ES, Ponta-Grossa – PR e Rio de Janeiro - RJ; Delegado Municipal da UBT [União Brasileira de Trovadores].

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